Junho de 2013, 10 anos depois: os altos e baixos de Sérgio Cabral, de estrela política a ex-detento influencer

O governador do Rio de Janeiro na época dos protestos que mudaram os rumos da política nacional foi condenado e ficou preso por seis anos, apesar das penas impostas somarem mais de 420 anos.

Os protestos de junho de 2013, que completam uma década esse ano, desencadearam uma série de desdobramentos na política brasileira —e também na do Rio. Segundo especialistas, o movimento pode ter sido determinante para a concepção da Operação Lava Jato. O principal alvo das manifestações e da operação no Rio de Janeiro foi o então governador Sérgio Cabral.

Desde então foi condenado pela Justiça em 2016 e acabou preso com penas impostas somarem mais de 420 anos de cadeia. No fim do ano passado, foi solto, apesar de continuar respondendo aos processos. Agora, se arrisca até como “influencer”.

Dez anos depois dos protestos, o g1 relembra os principais acontecimentos na vida do político, que viu sua popularidade despencar junto com a escalada da violência das manifestações daquele ano.

Especialistas avaliam o impacto dos protestos na trajetória de Cabral nos anos seguintes.

As jornadas foram uma série de protestos que chegaram ao auge no Brasil em junho de 2013. Inicialmente, o movimento começou em São Paulo com manifestações de rua contra o reajuste da tarifa do ônibus, que à época, aumentaria 20 centavos. Rapidamente os protestos se espalharam por outras cidades do país, dando vazão a uma ampla insatisfação popular com outras demandas, como a revolta pela realização da Copa do Mundo em 2014, as denúncias de corrupção na política e o governo de Dilma Rousseff (PT). Depois dos atos de junho de 2013, que expuseram um descontentamento generalizado com a classe política, vieram a Operação Lava Jato, o impeachment de Dilma, a popularização de Bolsonaro e o fortalecimento da extrema-direita no país.

Antes dos protestos, o governador do Rio gozava de prestígio político, com proximidade do governo federal e projetos bem avaliados internamente – como as UPPs e em nível nacional, com as UPAs, que foram “exportadas” para outros estados.

Cabral se desgastaria até o fim daquele mês, tornando-se uma das autoridades mais atingidas. Em primeiro de julho, pesquisa do DataFolha refletia a queda de popularidade: a aprovação despencava de 55% para 25%.

A primeira bandeira da revolta de 2013 questionava o aumento do preço da passagem de ônibus no Rio de Janeiro, que subiu de R$ 2,75 para R$ 2,95. Ainda assim, o lema que marcou aquele movimento dizia: “não é só pelos vinte centavos”.

Ao longo dos protestos, os manifestantes ampliaram suas reivindicações, passando a cobrar melhorias na Saúde e na Educação, mas principalmente mostrando grande revolta contra a corrupção e toda a classe política.

O movimento que tomou conta do país naquele ano acabou condicionando todo o cenário político no Brasil, com consequências profundas, como o respaldo para a criação da Operação Lava-Jato no ano seguinte e a condenação de diversos políticos e empresários envolvidos em esquemas de corrupção. Na extensão dos acontecimentos, o país ainda passou por um processo de impeachment e duas eleições presidenciais super polarizadas.

Na opinião de Sérgio Praça, pesquisador e professor do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), as manifestações de 2013 foram um alerta para a classe política brasileira. Segundo ele, o tamanho do movimento encorajou procuradores e juízes a realizarem a Operação Lava-Jato.

“Eu acho que as manifestações de 2013 foi um sinal claro para a classe política. Mesmo antes da crise econômica profunda de 2015, parte da população já estava bastante insatisfeita e via o sistema político como corrupto. Se a gente pensar no custo de ir para manifestação, no trabalho de organizar, formar grupo, divulgar, é sempre surpreendente quando um número grande de pessoas sai de casa para protestar”, analisou Sérgio Praça.

“Essa manifestação ajudou os procurados e juízes da Lava-Jato a entenderem esse sentimento e a impulsionarem as investigações, que antes não eram possíveis de se fazer”, completou o professor.

Apesar de ressaltar o tamanho das manifestações como incentivo ao trabalho de procuradores e juízes, Sérgio Praça lembrou que foi a Lei Anticorrupção, promulgada em agosto de 2013, como resposta à sociedade, que permitiu o grande impacto da Operação Lava-Jato no futuro do país.

Nenhum dos manifestantes que tomaram as ruas do Centro do Rio naquela tarde e noite de 3 de junho de 2013 poderiam imaginar que enquanto eles protestavam, o então governador Sérgio Cabral embolsava R$ 1,4 milhão em propina naquele mesmo dia, segundo investigadores do Ministério Público Federal (MPF).

O pagamento foi feito justamente pelos empresários do setor rodoviário, também alvos do protesto. O pagamento ao governador seria uma forma de “agradecimento” pelo aumento no valor da passagem. Aos olhos do público, o reajuste seria para garantir a refrigeração total da frota – promessa que até hoje não se concretizou.

De acordo com as investigações da Lava Jato, o pagamento foi apenas uma parcela da “caixinha da Fetranspor”, que abastecia autoridades para atender os interesses dos empresários de ônibus nos palácios Tiradentes e Guanabara. O MPF apontou Sérgio Cabral como um dos principais beneficiários do esquema.

Durante todo o ano de 2013, seriam R$ 17 milhões em propina do setor rodoviário ao governador.

“Não é comum no Brasil que movimentos de massa nas ruas mude alguma coisa e tenha impacto imediato. Ele (Cabral) tinha tanta certeza da impunidade, assim como toda a classe política e empresarial corrupta, que não deu muita bola para as manifestações”, comentou o pesquisador Sérgio Praça.

No dia 6 de junho, um protesto ainda maior foi realizado na Avenida Presidente Vargas, também no Centro. Naquele dia, houve confronto entre manifestantes e policiais.

Um dia antes, segundo investigadores da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro, Sérgio Cabral pagou pelo presente de aniversário de casamento da primeira-dama Adriana Ancelmo, um brinco em ouro amarelo 18K com rubi. A joia vendida pela joalheria H Stern, em Ipanema, custava R$ 1,8 milhão.

Ao todo, Cabral adquiriu mais de R$ 10 milhões em joias com dinheiro de propina, de acordo com o MPF. Segundo o depoimento da diretora da joalheria, Maria Luiza Trotta, o pagamento do presente para a primeira-dama foi feito parte em dinheiro e parte em uma outra joia valiosa.

“O pagamento se deu com a devolução do par de brincos comprado em agosto de 2009, pelo valor de R$ 1,334 milhão e a diferença na importância de R$ 600 mil ela pediu que o marido, Sérgio Cabral, providenciasse o pagamento como presente de aniversário de casamento”, relatou Trotta.

A manifestação do dia 6 foi a primeira que causou grandes problemas no trânsito do Rio de Janeiro. No dia 10, outra grande passeata também provocou o caos no Centro da cidade. Na ocasião, um ativista segurava um cartaz: “Desculpe o trânsito. Estamos lutando pelos seus direitos”.

Contudo, o governador e seus secretários mais próximos não se preocupavam com os congestionamentos. Eles utilizavam os helicópteros do estado para seus deslocamentos. Somente naquela segunda, Cabral solicitou quatro viagens em helicópteros oficiais.

Em 2018, o MP mostrou que, durante o governo Cabral, os helicópteros de uso público fizeram mais de 2 mil voos particulares, em uma conta de mais de R$ 20 milhões.

 

By Camila Freitas

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